Pe. José Passos da Silva,sj
A admiração foi tão grande que a resposta foi um misto de aparente resistência e sedução: “trabalhei a noite toda, mas por causa de tua palavra, lançarei as redes!” O que se seguiu foi uma pesca nunca vista. A quantidade de peixes só não foi tão grande quanto a admiração de Pedro que caiu aos pés de Jesus dizendo: “afasta de mim que sou pecador”.
Seguiu-se o convite, a convivência, o seguimento, o aprendizado e a familiaridade com o Mestre. A intimidade com Jesus cresceu na atividade de uma intensa itinerância pela Galileia: cegos que tornavam a enxergar; paralíticos libertados de suas paralisias... e o aprendizado de palavras novas e de sonhos novos: Reino de Deus, fraternidade, libertação, Evangelho. As multidões ao redor de Jesus eram um caso à parte e Pedro ajudou a alimentar os famintos e até ensaiou evangelizar a mando e longe de Jesus. Com sua liderança nata, Pedro logo se tornou porta-voz e primeiro do grupo e quando o Mestre pediu, declarou sem titubear sua crença de que Jesus era o Cristo de Deus.
O encantamento e o entusiasmo, no entanto, de vez em quando sofriam algum abalo. Jesus dizia uma coisa e Pedro parecia entender de outro modo. Como quando Jesus começou a falar de sofrimento e cruz. Pedro logo levantou-se em defesa do Mestre: “isto nunca te aconteça”, ao que foi silenciado pela reação surpreendente de Jesus lhe dizendo que aquele tipo de pensamento não era de Deus.
Mas quando as palavras de Jesus começaram a parecer mais duras e muitos dos discípulos buscaram outro mestre, Pedro permaneceu e até confirmou os outros. Falou com total sinceridade: “aonde nós iremos, Senhor, só tu tens palavras de vida eterna!” e assim era!
Depois de três anos de convivência, a páscoa em Jerusalém. Jesus demonstra seu amor por todos, mas não deixa de revelar a dureza das próximas horas em que seria abandonado e entregue nas mãos dos adversários. Pedro não podia aceitar tal coisa e protestou. “Mesmo que todos te abandonem, eu não te abandonarei, darei minha vida por ti”. E Jesus lhe avisou de uma futura traição: “Antes que o galo cante, me negarás. O diabo te quis peneirar como o trigo, mas eu rezei por ti. Quando retornares a mim, confirma teus irmãos!”
O que se seguiu foi a confirmação das palavras de Jesus. Prisão. Dispersão de todos. E Pedro, descuidado, acompanhando de longe, não mediu suas palavras quando perguntado se era discípulo de Jesus. Cada vez que era perguntado, as respostas o enredavam mais num labirinto de traição e negação. Ao negar Jesus, Pedro negou-se a si mesmo em tudo que lhe era o sentido da vida. Foi ao inferno que a traição promove. Desse poço profundo será resgatado pelo olhar de Jesus que encontra o seu. E nos olhares que se encontram, sentiu Jesus lhe dizendo: “eu te compreendo meu amigo, eu te perdoo porque sei da fragilidade de sua humanidade”.
Depois da morte de Jesus, Pedro tenta retomar a vida. Vai voltar a pescar. Os que estão com ele dizem “vamos também”. O grupo de sete discípulos trabalha toda a noite sem pegar nada. Trabalho em vão. Esforço inútil. No coração bate uma saudade da vida boa em fraternidade junto de Jesus. Amanhecendo, retornam à margem e alguém pergunta pelos peixes. “Pegamos nada!” Respondem. E o Estranho na margem lhes manda jogar a rede outra vez. Acolhem a sugestão e apanham 153 grandes peixes.
O Discípulo Amado reconhece o Senhor. Pedro não se retêm, se atira na água querendo chegar logo na margem.
O que se segue é uma refeição. O Senhor mesmo preparou aquele banquete. Matou a fome e o cansaço. Ele está no meio de nós.
Depois, um diálogo à parte. Três vezes o Senhor pergunta a Pedro pelo amor que lhe demonstra. Três vezes Pedro responde. Seu coração tem de ser refeito por isso Jesus insiste tanto. E à terceira vez, Pedro reconhece que seu amor é dom que o Senhor mesmo lhe deu e que não pode subsistir confiado somente em suas forças. O Senhor sabe tudo e sabe de suas fragilidades. Sim, o Senhor sabe das fragilidades e elas agora contam para a missão. Nas fragiidades mais se destacará a graça que vem de Deus. Para o futuro, basta estar disponível e por isso o Ressuscitado o convida outra vez: “Segue-me!”.
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